Anna Toledo*
Decisão do Supremo
Tribunal Federal (STF), no último dia 16 de outubro, determinou que o prazo de
dez anos para a revisão de benefícios previdenciários é aplicável aos
benefícios concedidos antes da Medida Provisória (MP) 1.523-9/1997. A matéria
teve repercussão geral reconhecida, ou seja, servirá como parâmetro para os
processos semelhantes que estavam à espera da conclusão do julgamento.
O Plenário do Supremo, de
forma unânime, deu provimento ao Recurso Extraordinário - RE 626489, interposto
pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), para reformar acórdão de Turma
Recursal dos Juizados Especiais Federais da Seção Judiciária do Estado de
Sergipe que entendeu inaplicável o prazo decadencial para benefícios anteriores
à vigência da MP. A decisão estabeleceu também que, no caso, o prazo de dez
anos para pedidos de revisão passa a contar a partir da vigência da MP,
operando efeitos desta data, tanto para trás, quanto para frente.
A frase do relator do caso
no Supremo, Ministro Luiz Roberto Barroso, no julgamento do RE 626489, nos leva
a refletir sobre o equilíbrio atuarial versus a Justiça social: “A instituição
de um limite temporal máximo destina-se a resguardar a segurança jurídica,
facilitando a previsão do custo global das prestações sociais”.
Ou seja, o equilíbrio
atuarial sempre se sobreporá à Justiça social, enquanto aqueles que têm o
condão de dizer o Direito, assumirem o papel, unicamente, de gestores públicos.
Isso porque quando isso ocorre, a Seguridade Social, não atinge seu escopo
fundamental: a proteção da Constituição Federal.
A decisão do STF
contrariou o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que já havia
sedimentado à questão da decadência em matéria previdenciária, fixando o
entendimento de que a modificação introduzida no artigo 103 da Lei 8213/91,
pelas Leis 9528/97 e 9711/98, não se aplica a situações pretéritas, por
absoluta falta de previsão, contrariando ainda, as próprias decisões do Supremo
até então, no tocante aos efeitos da irretroatividade da norma.
A redação original do
artigo 103 da Lei 8.213/91 não previa prazo decadencial para a revisão dos atos
de concessão dos benefícios previdenciários, que foi instituído com a edição da
Medida Provisória nº 1.523-9, em 27.06.1997, convertida na Lei nº 9.528/97, ao
dar uma nova redação ao mencionado artigo, estabeleceu o prazo de dez anos para
se pleitear a revisão do cálculo da renda mensal inicial dos benefícios
previdenciários.
Assim sendo, uma Lei
quando publicada, possui eficácia imediata, mas não atinge as relações
previamente constituídas, pois a Constituição veda tal situação, porém, o I.
Relator aplicou regra diversa, e o mais espantoso: foi unânime!
Em outras palavras, o
segurado pode requerer a qualquer tempo um benefício, sem limite de prazo,
porém para discutir questões advindas do ato desta concessão terá de observar o prazo de
dez anos, independentemente da data da mesma.
A decisão do Supremo
promoverá a extinção de milhares de processos que encontravam-se sobrestados ou
mesmo em trâmite mas sem decisão transitada em julgado (decisão definitiva).
Uma economia de milhares de reais para os cofres da previdência, em face do
segurado prejudicado.
Esta problematização dos
direitos constitucionais sociais e a reserva de cofres financeiros ou “controle
dos gastos sociais”, causa grande desânimo, pois a meu ver, está longe, muito
longe de se resolver, pois, como se vê, não há enfrentamento político, muito
menos pelos guardiões do Texto Constitucional.
A decadência, aplicada
pelo STF, no âmbito das revisões previdenciárias, foi extremamente defectiva,
pois, a de se frisar o seguinte: se a revisão proposta, não altera o ato de
concessão, não há que se falar em decadência do direito, justamente por isso
este instituto no âmbito do Direito Previdenciário é praticamente impossível de
ser declinado, mas o legislador o fez.
Vejamos: o artigo 103 da
Lei 8.213/91, alterado pela Lei 9.528/97, impõe o prazo de decadencial para
discutir questões advindas da concessão, porém reclama, imprescindivelmente de
interpretação, nunca realizada, face aos Institutos da decadência e prescrição.
Numa análise lógico
sistêmica, do referido dispositivo de Lei, conclui-se que o legislador definiu
a matéria como decadência aferindo prazos, quando na realidade, conclui-se
flagrantemente, que a questão versada é de prescrição.
Somente se pode falar em
decadência de um direito, em ações de natureza constitutiva e de prescrição, as
ações de origem condenatória, como a questão da revisão dos benefícios.
O legislador errou ao
tratar da decadência em matéria previdenciária, pois a decadência refere-se a
direito potestativo, e nas revisões, o que se persegue é uma “condenação”. Por
exemplo, “condenar o INSS a pagar diferenças vencidas e não pagas”, uma
obrigação exclusiva de pagar, sendo defeso ao réu, o direito de contestar a
ação e desse modo, até convencer o magistrado, de que razão não assiste ao
autor, corroborando à natureza da ação. É esse o escopo de uma ação revisional.
Assim, não agiu bem o
legislador ao aplicar um instituto sem a devida adequação, no tocante ao
enquadramento conforme consolidação no ordenamento jurídico. Cabe dizer ainda,
que o Plenário do STF não proferiu à devida análise do dispositivo legal,
resolvendo mal à questão, que favorecerá, exclusivamente, o multicitado
equilíbrio do “custo global das prestações sociais”, como bem salientado pelo
Relator.
Por estas razões, entendo
que, não há que se falar em decadência, em matéria previdenciária, somente em
prescrição. Contudo, se a lei impõe o prazo decadencial e o STF abarcou tal
interpretação, que atinja somente os benefícios concedidos a partir de sua
vigência, sob pena de ofender os princípios fundamentais da Constituição, como
o direito adquirido, e a irretroatividade da norma, sempre tão observados nas
decisões da Suprema Corte ao menos até aqui.
Esquecem-se, que a grande
maioria dos segurados que dependem do Regime Geral da Previdência Social (RGPS)
são pessoas hipossuficientes, e ante a complexidade da matéria, corroborado por
sua legislação mutante, terão certamente direitos cerceados, a própria decisão está eivada de
violação Constitucional.
Mas lamentavelmente, agora
é tarde demais. Torcer para que revejam, quando da modulação dos efeitos desta
decisão, a questão da irretroatividade da Lei, ou seja, que a decisão não afete
situações constituídas antes da vigência, da MP, para que se restabeleça, ao
menos a segurança jurídica.
*Anna Toledo é advogada de
Direito Previdenciário da Advocacia Marcatto - annatoledo@advocaciamarcatto.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário